Reajustes praticados pela Acelem, antiga Rlam, são maiores que os da Petrobras. Efeito cascata provoca aumento em todos os outros produtos e serviços como alimentação e energia elétrica e penaliza os baianos
As consequências da privatização da antiga Refinaria Landulfo Alves (Rlam), vendida pela metade do preço para o grupo Mubadala Capital, fundos dos Emirados Árabes Unidos, que mudou o nome para Refinaria Mataripe, que é operada pela Acelen, já começaram a penalizar severamente a população baiana que sofre com os maiores preços em combustíveis do país, como a CUT e a Federação Única dos Petroleiros (FUP) veem alertando desde 2019.
Com os reajustes praticados pela Mataripe, o gás de cozinha chega a ser vendido a R$ 140 em algumas cidades, o litro da gasolina passa de R$ 8,00, em média, e o óleo diesel, como nunca se viu antes, também está próximo desse valor. Em um dos postos, a gasolina comum sai a R$ 7,94 e o diesel a R$ 7,76 (veja na imagem), diz Radiovaldo Costa, diretor de Comunicação do Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro-BA). Segundo ele, há lugares em que o diesel é mais caro que a gasolina.
“Nunca na história desde os primeiros veículos a diesel, lá nos anos 1920, 1930, o diesel foi vendido pelo mesmo preço que a gasolina. Olha a que ponto chegamos”, diz o dirigente.
Os aumentos praticados pela privatizada são maiores do que os já abusivos reajustes praticados pela Petrobras, autorizados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que manteve a Política de Paridade de Importação (PPI), implantada pelo ilegítimo Michel Temer (MDB), em 2017. Pelo PPI, os preços são reajustados de acordo com a cotação do dólar e do barril internacional de petróleo. Se lá fora há um aumento do barril, mesmo o Brasil sendo autossuficiente na produção, o preço de lá é cobrado aqui. Se a variação cambial eleva o preço do dólar, idem.
E são maiores justamente porque a refinaria foi privatizada e, pelo livre mercado, cobra o preço que que considera ‘cobrir’ seus custos. Quem paga a conta é o povo baiano.
Uma comparação feita pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostrou a disparidade entre os reajustes praticados este ano pela Mataripe e pela Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, a mais próxima da Bahia.
Enquanto o reajuste do diesel na Rnest, da Petrobras, foi de 45%, na Mataripe foi de de 58%.
A Petrobras aumentou o gás de cozinha (GLP) em 10%; a Mataripe aumentou em 17%.
Já a gasolina aumentou 37% na refinaria da Petrobras enquanto que na Mataripe o reajuste foi de 48%.
A Bahia pede socorro
Há uma reação em cadeia quando os preços dos combustíveis sobem. Aumenta a inflação, ou seja, todos os outros preços de produtos, em especial os essenciais, como alimentos, também sobem. Na Bahia, o impacto é mais acentuado.
“Preços subiram muito acima da inflação. E muito por causa dos transportes que dependem do diesel para funcionar. Se aumenta, o custo é repassado e quem paga somos nós”, diz Radiovaldo Costa. Ele ainda cita empresas cuja produção depende de maquinário a diesel, que também estão sofrendo impactos.
A economista e supervisora técnica do Dieese, Ana Georgina Dias, reforça que não é somente no tanque de combustível que o impacto é sentido, “não pode ser analisado somente por quem depende de carro e moto, inclusive para trabalhar, é um impacto gigantesco em toda a sociedade e quanto maior o reajuste, maior o preço, mais o trabalhador vai perder seu poder de compra porque tudo fica mais caro”
“Afeta a sociedade modo geral, sobretudo para os trabalhadores e em especial para os que não têm ocupação ou que têm menor renda”, ela diz.
E a situação da Bahia está se tornando dramática, ela prossegue. “As pessoas cada vez mais estão tentando fazer mágica com o orçamento, tira daqui para cobrir ali e estamos falando de coisas que não dá para substituir como transporte, alimentação e energia elétrica”.
Em Porto Seguro, passagem de ônibus foi de de R$ 3,80 para R$ 4,50
Para o estudante de jornalismo da Universidade Federal do Sul da Bahia, Felipe Moraes, a realidade que os baianos vivem é de retrocesso. Mesmo com bolsa, ele gastava, antes da pandemia, cerca de R$ 130,00 com transporte. Hoje, desembolsa cerca de R$ 210,00, quase o dobro e com expectativa de aumentar ainda mais.
Ele conta que há um mês, portanto antes último aumento do diesel, na última terça-feira (10), houve um reajuste no transporte público de Porto Seguro, onde mora e estuda. A passagem foi de R$ 3,80 para R$ 4,50 e, agora, pode subir ainda mais.
“A empresa diz que o aumento foi só pra se manter e sair do vermelho mesmo. Sequer se comprometeram a dar manutenção nos ônibus que vêm de outras cidades, como Curitiba, Rio de Janeiro. São sucatas que a Viação Porto Seguro compra e que vivem quebrando”.
Mas, Felipe que divide apartamento com um colega, também sente no dia a dia o peso da inflação. “O litro do óleo tá R$ 12 reais”, ele diz para ilustrar que orçamento doméstico está cada vez mais apertado.
Gasolina poderia custar R$ 3,70 na bombas, diz FUP
Atualmente o barril de Petróleo mercado externo oscila entre 100 e 106 dólares. A Mataripe não produz, não extrai, apenas compra, refina e revende os derivados. “Eles compram do mercado internacional e também compram da Petrobras, mas também com o preço internacional”, explica Radiovaldo. Portanto, a empresa não tem margem para conter os preços e se o dólar dispara ou o barril do petróleo sobre, automaticamente empurra todo os seus preços.
O dirigente ressalta que a Petrobras produz o petróleo ao preço de 15 dólares, “mas vende a 106, o que gera um lucro violento”.
“Não tem sentido a empresa ter em três meses um lucro de R$ 44 bi. Eles gastam 15 [dólares] e vendem a 106. É um lucro de 90%”, diz Radiovaldo. Esses números fazem parte, inclusive, de um estudo feito pela Federação Única dos Petroleiros (FUP) que mostra que o preço da gasolina poderia ser R$ 3,70 na bombas, ou seja, para o consumidor.
Drama
As pessoas não conseguem mais comprar o gás que chega até R$ 140 – mais de 10% do salário mínimo em algumas regiões. Muita gente usa lenha e carvão, como há 70 anos. E quem compra o botijão de gás, tem que rebolar no orçamento, deixando de lado a compra de outros produtos essenciais como alimentos, roupas e até remédios.
Cresceu ainda, segundo informações obtidas pelo Sindipetro Bahia, a venda de fogareiros, um artefato comumente usado nos anos 1950 que usa lenha e carvão para produzir fogo.
Outra consequência é que aumentou o número a quantidade de pessoas que não usam mais o carro e a moto para trabalhar. “Eles perceberam que não dá para bancar o combustível. A conta não fecha eles acabam tendo que pagar para trabalhar. Além de impactar em toda a economia ainda acaba gerando desemprego diz o dirigente”.
Sem saída
A conclusão para Radiovaldo é de que para o povo baiano, não há escapatória. Ou eles compram os derivados produzidos pela refinaria privatizada ou ficam sem. O mesmo vale para todos os outros produtos que sofreram impactos por causa do aumento dos combustíveis no estado.
O povo baiano sofre porque não tem concorrência. Se a Acelem, antiga Rlam é a única fonte, ou compra dela ou fica sem.
Mas, o petroleiro conta que donos de postos de combustíveis, para fugir dos preços altos, estão adotando algumas estratégias para driblar o problema. Um deles, citado pelo dirigente e que preferiu não ter seu nome divulgado, prefere comprar o combustível da refinaria de Pernambuco, e não da Mataripe, mesmo sendo distante 80km de seu posto, porque no fim das contas, o lucro é maior.
“Ele disse que vai andar 1.400 km [ida e volta] para comprar 45 mil litros de diesel, vai custar o frete que sai R$ 11 mil, mais os custos com os motoristas, alimentação etc., e ainda assim quando for revender, seu lucro vai ser maior do que se ele percorrer 160 km pra comprar na refinaria da Bahia”, contou Radiovaldo.
E a maioria dos postos da região norte da Bahia estão fazendo a mesma coisa o que provoca mais um impacto negativo para o estado, desta vez, na arrecadação, já que o ICMS – imposto que é estadual – vai para Pernambuco. “É um problema abissal e vai se tornar crônico com o tempo”, diz o dirigente.
Monopólio
Para Radiovaldo Costa, a Petrobras deveria seguir seu compromisso institucional e social no país, tendo controle sobre todas as fases – extração, refino e distribuição do petróleo. É questão, inclusive de soberania e justiça social em todo o Brasil.
Mesmo que em algumas regiões o retorno financeiro para a Petrobras não seja satisfatório, o lucro de outras regiões, acaba compensando no cômputo geral e este modelo, se fosse levado à risca, faria com que o país pudesse ter preços iguais em todas as regiões.
Mas o ‘presente de grego’, como diz Radiovaldo, dado por Bolsonaro ao povo baiano, com a privatização da Rlam, não só tem provocado a disparidade com as demais regiões como tem feito com que os preços praticados tomem proporções absurdas.
Ele diz que a situação do povo baiano é uma alerta para outros estados que têm refinarias, para que não ‘comam o pão que o diabo amassou’ por causa da privatização da refinaria. “O governo dizia ‘privatiza que fica mais barato’, mas olha aí o resultado – 58% de aumento só esse ano”.